aos bons encontros | 26 de abril de 2024
Entre as muitas alegrias que Avoada tem me proporcionado, a maior delas é a oportunidade dos bons encontros. Esta edição é mais uma prova disso.
Ausente das redes sociais que sou, a vida profissional me levou a concentrar esforços no LinkedIn. E aí, contra todas as expectativas, naquele território de potencial insalubridade acabei construindo uma comunidade muito saudável, respeitosa, diversa, colaborativa, rica em pessoas & projetos interessantíssimos.
Vide: Anita Krepp, que agracia Avoada com sua presença e alto-astral em uma entrevista esclarecedora, divertida e sem tabus.
A ela, todo o meu agradecimento. E a você que não desistiu de Avoada em sua periodicidade errática, todo o meu amor.
Boa leitura!
Mariana
buena onda
Anita Krepp quer levar a maconha e os psicodélicos para a primeira página dos jornais
Pense numa pessoa falante, animada, cheia de energia. É Anita Krepp.
Aos 36 anos, a paulistana do Grajaú, bairro periférico na zona sul de São Paulo, é jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – “graças ao Prouni, acho importante falar”. Mesmo antes de terminar a faculdade, em 2012, já tinha emprego na Folha de S.Paulo. Lá ficou até 2015, desde então não se fixou em nenhum veículo de imprensa. Mantém coluna semanal no Poder360, atua como repórter especial na Forbes e no Estadão, colabora com O Globo, Veja, piauí. Tudo isso escrevendo sobre um só assunto: maconha (ou cannabis) e psicodélicos.
Na vida pessoal, o que veio primeiro foi a ayahuasca, em 25 de dezembro de 2010 (Anita é boa com datas). Diz ter sido um “ritual de cura” tão poderoso que, a partir daí, durante cinco anos consagrou a bebida a cada quinze dias. “Foi muito importante na construção da pessoa que eu sou hoje. Devo muito, muito, muito à ayahuasca”, avalia. Já a relação com a maconha se estreitou em 2016, com a mudança para Barcelona, na Espanha, onde mora até hoje. A forma como decidiu ficar na cidade reflete bem seu jeito desenrolado de ser.
Ela conta: “Cheguei em Barcelona numa segunda-feira à noite, na terça de manhã fui num clube [canábico] e me fiz sócia. Fiquei impressionada com tudo aquilo, pedi pra falar com o dono e perguntei se tinha emprego. Quando eu disse que era brasileira, ele respondeu: ‘A gente já tem duas brasileiras aqui que trabalham muito bem. Pode começar amanhã’. Foi assim”. Em 2018, veio a calhar o conhecimento acumulado nos sete meses que passou no clube. Diante de crises de pânico debilitantes, adotou quatro medidas: praticar yoga diariamente, largar o tabaco, tomar passiflora e trocar o THC pelo CBD, diferentes compostos químicos presentes na cannabis.
Junto com a saúde mental veio uma epifania: “Quando eu vi que o CBD funcionava, eu fiquei assim... Agradecida. Comecei a estudar a respeito. E nessa época eu tava meio jururu com o jornalismo, buscando alternativa pra uma transição de carreira. Mas eu falei: peraí. A melhor maneira de contar pras pessoas que o CBD e a cannabis têm um poder incrível é usar minha experiência como jornalista. A mesma coisa em relação aos psicodélicos, que também foram incríveis na minha vida”. De lá para cá, Anita se especializou no tema. “Eu me encontrei completamente”, resume.
Além dos veículos para os quais escreve, tem dois projetos autorais: a newsletter Cannabis Hoje e a recém-lançada revista Breeza. Criada sem grandes pretensões em 2021 como uma curadoria de notícias no assunto, a Cannabis Hoje se desdobrou em um perfil no Instagram (são mais de 55 mil seguidores) e no podcast Cannabis Hoje Pod, focado em conversar com as figuras importantes do empreendedorismo canábico: “É uma indústria florescente que gera muito emprego. Só nos Estados Unidos são mais de 440 mil vagas de trabalho”. O podcast é produzido pela Leopoldo Electrical Group, do jornalista Felipe Lima.
Já a Breeza é um empreendimento coletivo, ao lado de Filipe Vilicic, Leo Martins e Gastón Lepera. A ideia é tornar-se referência sobre cultura canábica no país, mantendo um “DNA brazuca”: “A cultura ao redor da cannabis está em tudo, perpassa praticamente todos os assuntos da nossa sociedade”, diz. Um dos conteúdos da Breeza é o podcast Saindo da Estufa, que traz personalidades relevantes no debate público para falar sobre sua relação com a maconha. A conversa com Nelson Motta, por exemplo, foi notícia n’O Globo. O esforço agora é por patrocínio para a revista.
E são muitos outros os amores de Anita. É vegetariana. Percussionista. Pisciana com ascendente em Leão e lua em Câncer, o que, segundo ela, diz muito sobre sua personalidade. Tem ligação especial com as Ilhas Canárias, onde passou um tempo durante a pandemia, e uma “paixão louca, maluca, desvairada pela van life, ou furgo life, que é a coisa de viajar em van”. Declara-se “apaixonada por desfrutar de um corpo”, o que inclui tanto estar na natureza quanto praticar atividades físicas como o ciclismo.
Anita divide a casa e a vida em Barcelona com Joaquín, seu companheiro, e Morena Flor, filha do casal nascida em outubro de 2023. Para driblar as diferenças de fuso horário e respeitar a rotina de cuidados com a pequena, a entrevista abaixo se deu via troca de áudios no WhatsApp a partir de perguntas que enviei por escrito. É uma versão editada para melhor leitura.
O que são maconha e psicodélicos? Como você explicaria para alguém que tem uma referência talvez caricata dessas substâncias?
Os psicodélicos são ferramentas disruptivas. Se falarmos dos psicodélicos naturais, como psilocibina, ayahuasca, DMT, são tecnologias milenares da floresta, ferramentas que a natureza colocou à nossa disposição. Assim como as plantas: quando você está com dor de estômago, você toma chá de boldo. Os psicodélicos atuam na saúde mental e espiritual das pessoas, são uma ferramenta indispensável no mundo em que vivemos.
E a maconha é tudo. É uma planta poderosíssima que vem resistindo, crescendo e avançando no mundo há milênios, seja na culinária, na saúde, no equilíbrio dos nossos humores. É outra ferramenta que a natureza nos proporciona para o cuidado, e é um cuidado integral, do corpo físico e mental.
Costumamos separar o uso da maconha em três vertentes para ficar mais didático. A primeira é o uso industrial, na substituição de alguns tipos de plástico, do concreto em construções, na cosmética, na gastronomia. O cânhamo, como semente, farinha, óleo, é vastamente utilizado nos países onde isso é permitido. E eu espero que no Brasil isso aconteça logo, porque não há motivo para não liberar, já que o cânhamo não tem a variedade psicoativa da erva. Minha aposta é que esse será o primeiro uso liberado no Brasil.
Depois, temos o uso dito medicinal da maconha, que eu diria “medicalizado”. A maconha desempenha um trabalho em epilepsias, dores crônicas, fibromialgia, glaucoma. E fico muito impressionada com o poder da maconha em casos de câncer. Ela devolve a vontade de comer e, em muitos casos, a vontade de viver em pacientes em quimioterapia, por exemplo. Por fim, há o uso dito recreativo, que eu chamo de “uso terapêutico”. Como a pessoa que fuma porque quer dormir melhor. Falamos também em “uso adulto”, porque o uso indicado da maconha é para maiores de 21 anos. Outras fontes falam em maiores de 25 anos.
Pode dar um panorama geral sobre o cenário da maconha e dos psicodélicos no Brasil? No que estamos avançados e no que estamos atrasados em relação à média mundial?
Nós somos uma das primeiras nações que estudam psicodélicos. Em ordem de importância, estamos em terceiro lugar, atrás de Estados Unidos e Canadá. Temos ótimos cientistas psicodélicos, uma profusa produção científica no Brasil: Sidarta Ribeiro, Dráulio Araújo, Luís Fernando Tófoli, grupos de estudos.
Também estamos bem na utilização dos psicodélicos, porque no Brasil existe autorização para usar ayahuasca em contexto de ritual, ibogaína, quetamina, já há médicos ministrando essas substâncias a pacientes. Tem gente que viaja dos Estados Unidos para se tratar com ibogaína no Brasil, por exemplo. E aí, falta liberar três psicodélicos que fazem muita falta: o DMT, muito disponível na jurema, uma árvore que está em todo lado no Brasil; o MDMA, que eu acho importantíssimo, apesar de ser uma droga sintética; e a psilocibina, que são os cogumelos mágicos.
Já a maconha, é muito sui generis como ela se desenvolve em cada lugar, por isso não dá para comparar os cenários entre os países. O que acontece na Argentina, na Colômbia, no Canadá, em Israel, na África do Sul são estágios diferentes. O que eu posso dizer é que o uso medicinal da cannabis no Brasil está indo bem. É um dos melhores do mundo em termos de quantidade de opções e empresas. Porque as empresas também são importantes nesse jogo, assim como os ativistas.
Em relação ao uso adulto, é aí que o Brasil patina. E patina feio, porque a gente podia estar ganhando mais em carga tributária, arrecadando impostos, colocando esses impostos a serviço da população, buscando maneiras de reparar os danos que a guerra às drogas causou e segue causando. E o Brasil patina também na proibição do uso industrial do cânhamo, que não faz nenhum sentido. Mas eu confio que esse uso será liberado logo, e aí restará trabalhar pela liberação do uso adulto, dito recreativo.
Quais são os argumentos mais comuns contrários à legalização da maconha e dos psicodélicos que você costuma ouvir? Você enxerga base neles? Compartilha de alguma dessas preocupações?
Eu gosto de pensar que cada pessoa carrega em si a autorresponsabilidade e o autocuidado para saber o que vai colocar dentro do seu corpo, o que não vai colocar dentro do seu corpo e como vai fazer isso. A gente precisa de educação para chegar nesse momento, e a educação vem com a legalização. Precisa vir com a legalização. Falando de cannabis e psicodélicos, eu não compartilho de nenhuma preocupação, além desse fato da educação, que necessariamente deve acompanhar a legalização.
A partir das suas escolhas de pautas e fontes, infere-se um posicionamento seu sobre o tema. Há algum receio de ser vista mais como ativista do que como jornalista? Há fronteiras entre esses papéis?
Muito interessante essa pergunta. No começo eu tinha essa questão. Tanto que comecei falando de negócios, entrei primeiro [no tema] pelo jornalismo “mais sério”, entre aspas, que é o jornalismo de economia, política, saúde. Mas eu não me vejo como ativista. Aquele ativista clássico que frequenta a Marcha da Maconha desde 2012, essa pessoa eu não sou. Nem sou aquela pessoa que não critica a maconha. Porque a crítica, para mim, está num lugar de evolução da espécie. Se você não se critica, você não evolui. Então, eu não abro mão da crítica.
Ao mesmo tempo, eu acredito que a escolha das pessoas é um ativismo, né? Não sou uma ativista clássica, mas se eu escolhi falar sobre cannabis e psicodélicos, já tenho aqui um ativismo profissionalizado. O fato de eu escolher tratar disso mostra meu interesse por desmistificar, tirar o véu, acabar com fake news, extinguir bobagens que foram faladas e repetidas durante dezenas de anos a respeito dessas substâncias.
Quais são os desafios de ser uma jornalista que cobre um tema tabu?
Eu não tenho muito medo de tabu. Na verdade, eu sou atraída pelo tabu, sempre gostei de tocar ali na ferida que as pessoas tentam evitar. Sempre gostei de estudar e de me aprofundar nesses assuntos, precisamente porque eles têm todo um ar de mistério. Então, eu sou muito, muito feliz de cobrir um tema tabu.
Agora, o desafio é justamente abrir essa discussão. Ter a visão de quais entrevistas, quais perguntas, quais pessoas eu tenho que reunir para conseguir acabar com esse tabu. Então, o desafio em si é exterminar o tabu. E um grande desafio também foi mostrar para a minha família, por exemplo, que, peraí, dá para ser uma profissional que fala sobre isso e é respeitada.
Na sua opinião, quais são os principais erros na cobertura sobre maconha e psicodélicos na grande imprensa brasileira? Estamos avançando?
Estamos avançando. Com certeza. A passos lentos, mas estamos. Porque a cannabis e os psicodélicos chegaram para ficar. Na verdade, eles já estavam aqui, né? Mas não vai ter passo atrás no processo de redescoberta dessas substâncias, e a mídia ainda não entendeu isso. Então, um erro na cobertura é o fato de não haver um setorista [jornalista dedicado a um assunto específico] nos principais veículos do Brasil. Porque esse setorista vai ajudar a contextualizar a informação.
É muito diferente de você pegar um jornalista de economia e falar: “Vai lá cobrir a empresa tal que investiu R$ 100 milhões numa empresa de cannabis”. Essa matéria tem enormes chances de ser incompleta, trazer erros, mais confundir do que esclarecer. Por exemplo, tenho visto matérias sobre como “a maconha aumenta riscos cardíacos”. Mas se você ler direitinho o estudo e perguntar para um médico o que significa aquilo, o núcleo da notícia é: não é a maconha que faz isso, e sim fumar. Você podia estar fumando cigarro, lavanda, o que for, isso vai aumentar o risco cardíaco. Não é a maconha, e sim a via de utilização da maconha fumada.
Acho também que ainda falta muito, muito, muito espaço na mídia para falar sobre redução de danos, e uma mídia especializada que traga temas fundamentais ligados à reparação social das comunidades que foram historicamente criminalizadas pelo uso da maconha. É graças a essas comunidades que o uso medicinal triunfa hoje, porque elas mantiveram viva a cultura canábica. Muitas delas ensinaram as mães de pacientes a cultivar, o que desencadeou essa revolução canábica no Brasil. Tudo isso nasceu de um lugar no qual a maior parte da mídia não está ligada.
Então, se a gente realmente profissionalizar essa cobertura, a gente vai conseguir colocar os pingos nos is, fomentar educação, colocar as coisas em contexto e parar de enganar a população brasileira, que vem sendo enganada há décadas.
Por que a opção no Cannabis Hoje Pod de abordar a maconha pela perspectiva do empreendedorismo e das oportunidades de mercado?
O empreendedorismo é uma faceta belíssima da cannabis. As oportunidades que existem nesse mercado são gigantes, e é um mercado que oferece chance para as pessoas fazerem diferente. Como ainda há muito pouco exemplo de como fazer qualquer coisa dentro da cannabis, é um espaço para as pessoas serem criativas. É um tesão! E aí, eu quero fomentar isso. A ideia é fomentar o empreendedorismo da cannabis, porque já existe um mercado.
Estamos vivendo a pré-regulamentação, a pré-legalização da cannabis, e as pessoas precisam entender isso. Quem fala muito bem do assunto é a Luna Vargas, e eu concordo plenamente quando ela diz que o mercado existe e quem quiser já pode trabalhar na área. Eu estou aqui para ajudar essas pessoas dentro da minha pequena contribuição. E os convidados do podcast são figuras pelas quais eu realmente tenho admiração profunda, seja por um viés ou outro.
Já na Breeza há uma intenção clara de trazer formadores de opinião que são ícones em suas áreas (Nelson Motta, Helena Rizzo, Roberta Martinelli) para debater o uso da cannabis de forma aberta. Por que esse caminho?
São dois motivos. Primeiro, porque a cultura canábica já existe. Sempre existiu, só que as pessoas não falavam com abertura. Por isso o nome do podcast é “Saindo da Estufa”. Neste momento pré-legalização não é mais terrorífico você dizer que fuma maconha. As pessoas já entenderam que você pode fumar maconha e ser um ótimo profissional, um ótimo pai, um ótimo amigo. Então, trazemos ícones para, por exemplo, a minha mãe ver o Nelson Motta, que ela gosta e admira, falar sobre isso. Ou: “Olha só, a Helena Rizzo, do MasterChef, também usa maconha. Nunca pensei que seria possível uma maconheira ir bem na vida”, né?
Portanto, a ideia foi justamente mostrar que a cannabis está em toda a cultura e também nos nossos ídolos, nos nossos ícones, nas pessoas em quem a gente se espelha. E o segundo motivo de trazê-los é furar a bolha. A gente na Breeza tem muito essa vontade. Nossos conteúdos têm dois objetivos: falar para fora da bolha, ou seja, com nossa avó, com nosso tio, com nosso chefe, com pessoas que nunca pensaram a respeito da maconha; e falar para dentro da bolha. A gente tenta equilibrar as edições dessa forma.
Para encerrar, qual é seu sonho dourado para a maconha e os psicodélicos no Brasil? Qual cenário você gostaria de ver? E quão próximos ou distantes estamos disso?
Meu sonho dourado é que a maconha e os psicodélicos estejam absolutamente legalizados no Brasil, que exista uma maior interação dos brasileiros com essas substâncias, que de fato possam entender o que estão escolhendo consumir e que consigam se curar dos males pelos quais buscam essas substâncias. Ou se divirtam com elas também, porque a gente fala de saúde como se fosse só se restabelecer de uma doença. Mas e a saúde de viver, né? Você não precisa estar doente para tirar proveito dessas substâncias.
Então, o meu sonho dourado é uma ampla legalização onde caiba todo mundo. Porque vai ter gente que vai preferir plantar no quintal, ou comprar na farmácia, ou acessar uma marca importada. E que todas as pessoas envolvidas com a cannabis – o ativista, o empresário, o cientista, a associação de pacientes – respeitem o outro. O que vemos hoje nesse mercado é uma disputa de espaço. De um miniespaço, na verdade, porque o que temos é muito pequeno. Pode ser muito maior, mas as pessoas estão dispersas. No momento em que as pessoas se juntarem de fato por um ideal, aí a coisa anda.
E aí, quando você pergunta se estamos próximos ou distantes disso, depende de quanto tempo vai levar para os agentes ligados à cannabis se tocarem de que a pauta anda mais rápido com a união das forças. O trabalho de normalização da cannabis no Brasil precisa ser feito em conjunto, porque é um trabalho grande. Não é o empresário que vai conseguir sozinho, nem o ativista, nem a associação de pacientes. E o sonho dourado para os psicodélicos é a mesma coisa. Quero que as pessoas possam acessá-los, e aí há todo um debate profundo a ser feito em relação a patente e aos saberes das populações originárias que trabalharam primeiro com esses psicodélicos.
Enfim, o grande sonho é liberar essas substâncias com muita consciência, muita conversa, muito diálogo, o que nesse momento de fato me parece um sonho bastante utópico. Mas eu sou uma pessoa que gosta de utopias.



portas da percepção
“Quem são os brasileiros que ficaram em 1º lugar na Spannabis”, Breeza, 28 de março de 2024
“10 anos de ‘Ilegal’: revisitamos a história das famílias que mudaram o debate sobre cannabis”, Breeza, 18 de abril de 2024
caixa de entrada
O britânico Shaun Usher tem o emprego dos meus sonhos. Não que ele tenha vida mansa. O homem certamente trabalha muito, porque não é para qualquer um tirar quatro – deliciosos! – projetos do papel.
Tudo em inglês, infelizmente. Mas um Google Tradutor ajuda.
O primeiro passo foi dado em 2009, com a criação de um site dedicado a mapear e divulgar cartas escritas por pessoas interessantes (não necessariamente famosas, atenção para a diferença entre os termos). Por exemplo:
A partir de 2013, o projeto ampliou seu escopo. Virou livro, o primeiro de muitos, inclusive com edição brasileira pela Companhia das Letras. E chegou aos palcos no Letters Live, evento periódico em que artistas dão voz às cartas. Há um canal oficial no YouTube com muitas dessas leituras:
Olivia Colman lê (de forma hilária!) a carta de uma esposa ao marido (1618)
Carey Mulligan lê a carta de uma sufragista ao jornal Daily Telegraph (1913)
Taron Egerton lê a carta que um Elton John adulto escreveu a um Elton John adolescente (2009)
O meu xodó. Também de 2009, o site é inteiramente voltado a papéis timbrados de empresas, artistas, escritores, filmes, histórias em quadrinhos. Abaixo, um pequeno gosto do acervo disponível.
Em 2011 veio o terceiro braço desse conglomerado: um site sobre listas merecedoras de deixar as gavetas e ver a luz do dia. Virou livro em 2014, novamente trazido ao Brasil pela Companhia das Letras. Hoje em dia é publicado apenas como newsletter.
“Wake up and fight”, lista de decisões para o novo ano de Woody Guthrie (1943)
“I hate TV. It’s a drag”, lista de gostos e desgostos de Jimi Hendrix (1967)
E aí chegamos à última invenção de Usher (do que me consta). Ao longo de 2023, Diaries of Note compartilhou trechos dos diários de figuras ilustres, com o cuidado de respeitar a data em que foram escritos. Por exemplo, em 13 de junho de 2023 o site publicou “Magic must always triumph”, reflexões registradas por Keith Haring em seu diário no dia 13 de junho de 1984. Mais:
“Complete silence”, por Michihiko Hachiya (06 de agosto de 1945)
“Today is Mother’s Day”, por Carolina Maria de Jesus (11 de maio de 1958)
“Left the Beatles”, por George Harrison (10 de janeiro de 1969)
“Black female life is worth nothing”, por Barbara Smith (26 de junho de 1979)
É ou não é o emprego dos sonhos?









cartas marcadas
i live in a box of paints
Começou com uma descoberta avassaladora chamada The Band.
Mais especificamente, o documentário The Last Waltz, dirigido por Martin Scorsese para registrar o derradeiro show da banda, em 1976.
Em meio à ruma de convidados especiais, lá estava a canadense Joni Mitchell roubando a cena com sua ótima “Coyote”, cool como só ela sabe ser. Aqui você vê um trecho dessa participação, diretamente do perfil oficial da artista no Facebook.
Mas eu também não vou mentir. Algumas músicas de dona Joni eu acho chatérrimas. Outras, em compensação, são verdadeiras obras-primas, e já, já eu volto a elas. Porque o foco aqui é outro: suas pinturas.
Disse Joni Mitchell em 1998: “I think of myself as a painter who writes music”. Em 2000: “I have always thought of myself as a painter derailed by circumstance”. Completa: “I sing my sorrow, and I paint my joy”.
Joni chegou a estudar arte a sério. Mas a vida se ocupou de encaminhá-la para a música, numa história com contornos dramáticos que esta matéria de 2004 do Washington Post resume bem. Ainda assim, a pintura nunca foi abandonada, o que se reflete em um acervo de mais de 300 obras em seu site oficial.
De todo esse material disponível eu selecionei exemplares de seus autorretratos, muitos dos quais se tornaram capa de disco. Se quiser ver Joni em ação com suas tintas e pincéis, vá por este vídeo de 1986 da BBC inglesa.
Para fechar, voltemos à questão das obras-primas. Além da já citada “Coyote”, “Big Yellow Taxi” e “The Circle Game” são clássicos. “A Case of You”, de onde vem o título deste texto, é das mais lindas canções de amor escritas. Dizem que o recado foi para Leonard Cohen, como Jorge Wakabara – sempre ele! – conta neste excelente post sobre as canções que Joni fez para eles.
E tem “Both Sides Now”, que é uma loucura. Você pode ouvir a versão ao vivo em 1970 ou a versão ao vivo em 2024, quando Joni, acompanhada de sua gangue, estreou no palco do Grammy. Aos 80 anos. I really don’t know life at all!









i am a lonely painter
espia
Este vídeo da Wired, de 2023, sobre o trabalho de restauração de livros centenários feito pela estadunidense Sophia Bogle. Dá gosto de ver tanto amor e dedicação a esses objetos mágicos para que cheguem às próximas gerações. São só 10 minutos que valem o seu tempo, melhor ainda se você for do ASMR! (Na verdade, toda a série “Obsessed” merece audiência. Há outras pérolas, como este especialista na criação de monstros e criaturas para Hollywood.)
Voltado à produção de conteúdo sobre cultura e meio ambiente, o Projeto Preserva tem olhar especial a Minas Gerais. E já está no ar a série “Saberes ancestrais”, um desbunde para quem, como eu, tem paixão pelo fazer manual brasileiro: as carrancas do rio São Francisco, as cerâmicas do vale do Jequitinhonha, os bordados de Grão Mogol, por aí vai. A iniciativa é de Juliana Perdigão e Odilon Amaral, jornalistas com décadas de TV Globo na bagagem.
Falando em território, este mapa virtual interativo dá concretude às origens indígenas do chão em que pisamos. Você pode navegar livremente ou procurar um endereço – eu, por exemplo, estou agora em solo guarani. Responsável pelo projeto, a organização sem fins lucrativos canadense Native Land Digital, liderada por pessoas indígenas, é zelosa ao explicar que o mapa não representa demarcações oficiais nem é uma obra fechada. Vi a dica nesta reportagem de 2022 do portal Educação e Território.
nossos respeitos
A Ziraldo, “gênio da humanidade, maior artista gráfico do universo”, de acordo com o senhor meu pai.
Ziraldo faleceu no último 06 de abril, aos 91 anos. E ainda que seu impacto na infância de inúmeras gerações brasileiras – inclusive na minha – seja indiscutível e incomensurável, para mim a associação mais direta sempre foi, sempre será com O Pasquim.
Pois saiba você que é possível ler no site da Biblioteca Nacional todas as edições digitalizadas do histórico tabloide, além de farto conteúdo extra – como esta coletânea de depoimentos em que Ziraldo fala sobre o veículo.
Da Biblioteca Nacional vem a página abaixo, retirada d’O Pasquim, número 10, de 1969. Que seu Ziraldo descanse em paz.
“iny: o brilho dos espíritos”, de edgar kanaykõ xakriabá
2016
Edgar Kanaykõ nasceu em 1990, na Terra Indígena Xakriabá, no norte de Minas Gerais. É fotógrafo e antropólogo, com pesquisa sobre o uso da fotografia pelos povos indígenas a partir da ideia de “etnofotografia”.
Para conhecer mais sobre o belo trabalho do artista, além de suas redes sociais oficiais, o Prêmio PIPA tem um bom material de apresentação. Por aqui você compra o fotolivro Hêmba, lançado em 2023 pela Fotô Editorial.
la búsqueda. seguimos!
fim.
coisa linda, que honra! como eu faço pra favoritar a avoada na news do cannabis hoje? rsrs