um sonho que se realiza | 01 de novembro de 2024
Vira e mexe divago aqui sobre as razões que me fizeram criar esta newsletter. Incômodos com as dinâmicas da imprensa “oficial”. Desejos de dar holofote ao que eu acredito merecer. Oportunidades de trocar ideia com gente interessante.
Tudo isso é bastante verdade. Mas há, sempre houve, um motivo apoteótico: Tieta. A novela de 1989.
No que engato nas causas do meu atraso. Ainda que eu nunca tenha prometido periodicidades religiosas, não estava nos planos um hiato de três meses.
Em primeiro lugar, andei trabalhando bastante. Inclusive, tenho pensado formas de monetizar Avoada – sugestões são bem-vindas! (Não pretendo fechar este conteúdo para assinantes.)
Em segundo lugar, como você verá a seguir, eu me lancei em empreendimentos megalomaníacos. A divulgação científica que decidi fazer em torno de Tieta demandou tempo de leitura. E quando me peguei apressada para terminar logo e não atrasar tanto, a consciência me bateu: aproveita, boba!
Não é todo dia que a gente mergulha no estudo da televisão brasileira, das nossas telenovelas, de uma personagem como Tieta do Agreste. Porque se você acha que novela é bobagem, meu bem... Me aguarde!
Boa leitura!
Mariana
*E um lembrete: Avoada é uma newsletter longa. Talvez seu provedor de e-mail corte o conteúdo no meio. Mas nosso fim é no fim!
o ser humano não foi feito por decreto
As investigações acadêmicas de uma noveleira obcecada
“Tieta foi uma febre que eu tive, daquelas febres fortes que deixam muita sequela.”
Dita por Osnar (José Mayer) no capítulo final de Tieta, a frase bem se aplica à minha pessoa. Porque eu tenho verdadeira paixão por essa novela. E, veja bem: é pela novela. O livro eu nunca terminei de ler. Está lá na estante, aguardando o melhor momento para eu encarar as quase 600 páginas. Jorge Amado que me perdoe.
Mas dia desses me ocorreu perguntar. Por quê? Por que eu amo tanto Tieta? Por que já assisti tantas vezes a uma novela lançada há mais de 30 anos?
E aí, sou filha orgulhosa das Ciências Sociais. De modo que decidi fazer exatamente o que Aguinaldo Silva falou para não fazer. Declarou ele a’O Globo, em 2014:
As pessoas estão muito preocupadas com temáticas, com merchandising social. Novela é ficção. Novelão é o que se fazia antigamente, aqueles que eletrizavam o país, deixavam as pessoas enlouquecidas. Como “O astro” (1977) com o “quem matou Salomão Hayalla?”. Novela é isso, não é tese sociológica.
Eu fui atrás da tese sociológica. Pesquisei trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos acadêmicos que de alguma forma se debruçam sobre Tieta (de novo, a novela, não o livro), produzidos nas diversas áreas do saber e universidades. Achei resultado até na francesa Sorbonne, chérie!
A seguir, articulo em três tópicos um recorte do que de mais interessante apareceu, sem perder de vista o fato de que talvez você não tenha o mesmo grau de paixão que eu tenho. Se quiser, o PDF abaixo traz informações & links para todas as leituras (me empolguei, fazer o quê? Cientista social é assim mesmo).
Antes, o básico: adaptação livre de Tieta do Agreste, obra escrita em 1977 por Jorge Amado, a novela Tieta foi ao ar entre 14 de agosto de 1989 e 31 de março de 1990. A autoria é de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares. Explicações sobre a trama, clipes de momentos-chave e outros materiais estão no site Memória Globo. Disponível no Globoplay.
O fino trato e o populacho
Quem nunca ouviu a opinião de que novela é assunto menor? Um produto pasteurizado, alienante, sem qualquer valor artístico? Pois pesquisas não faltam para problematizar essa falsa oposição entre “alta cultura” e “gosto popular”.
Cito duas. Em 2012, Heitor da Luz Silva mapeou o impacto da Rede Globo no mercado musical das décadas de 1980 e 1990 por meio das trilhas sonoras de suas novelas. Segundo o autor, as escolhas da emissora fortaleceram ou ignoraram determinados artistas e gêneros musicais com base não tanto na aceitação popular, mas sim nas diretrizes do chamado “padrão Globo de qualidade”, instituído a partir dos anos 1970.
São novelas recheadas de canções dos nomes consagrados da MPB, ao mesmo tempo que esvaziadas de artistas considerados “cafonas”, embora de grande sucesso comercial. Muito Tom Jobim, pouco Waldick Soriano. E se o BRock foi impulsionado pelas trilhas globais, a música sertaneja e o pagode romântico não tiveram espaço compatível com suas estrondosas vendas.
É aqui que entra nossa amada novela, citada por Heitor ao mostrar como os sertanejos precisaram pegar emprestado um capital simbólico para subir na hierarquia cultural. Porque há, sim, duas músicas do gênero na (excelente!) trilha de Tieta. Mas não são quaisquer duas: “No rancho fundo”, composta por Ary Barroso e Lamartine Babo, e “Luar do sertão”, de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco. Ou seja, as vozes podem até ser de Chitãozinho & Xororó e Roberta Miranda, respectivamente. Mas são canções “legitimadas pela tradição”, por isso mais próximas do “bom gosto”.
Já em 2018, Fabiano Tadeu Grazioli comparou como se dá a cena do retorno de Tieta a Santana do Agreste no livro e na novela, visando investigar os processos de adaptação ou transposição de uma linguagem a outra. Entre outras questões, ele aprofunda a discussão sobre os programas televisivos terem um “estatuto inferior” em relação à “condição de cultura erudita ou superior estabelecida para a literatura”, associada a um público seleto e restrito.
Uma grande bobagem. São apenas linguagens distintas, com códigos próprios, conforme o artigo destrincha. “Ao invés de serem excludentes”, escreve Fabiano, “televisão e literatura tornam-se mais ricas nos seus intercruzamentos”.
Um produto chamado nostalgia
Ao também analisar a adaptação do romance de Jorge Amado para o audiovisual televisivo, Taciano da Costa Silva nos lembra em 2023 que toda telenovela é uma “obra permeável a fatores como mercado, recepção e cultura”. Com isso em mente, trago um conceito interessantíssimo surgido na minha pesquisa: “mercado da nostalgia”, no qual novelas clássicas tipo Tieta ganham status de produto com enorme valor econômico.
Porque, depois de tantas leituras, percebi que é isso mesmo: muito do meu apego passa por um sentimento de saudade e desejo de retorno a um lugar que me é profundamente familiar, acolhedor, seguro em meio ao caos de incertezas e instabilidades em que vivemos. Nostalgia pura, não do Brasil dos anos 1980, mas do microcosmo Santana do Agreste. E acontece que, ao mexer com nossos afetos, nostalgia vende – ainda mais quando o presente está penoso e a nossa imaginação sobre o futuro só faz achatar.
Algumas pesquisas abordam o assunto em diferentes graus. Em 2018, Diego Santos Vieira de Jesus examinou as postagens feitas sobre Tieta no perfil do canal Viva no Facebook. Nessa análise, o autor classifica as novelas como “lugares de memória”:
Ao mesmo tempo, as telenovelas viabilizam aos telespectadores experiências distintas que não apenas entretêm, mas desenvolvem o imaginário coletivo e as memórias históricas e afetivas por meio da construção permanente e incessante de sentimentos de pertencimento e de identidade que ancoram a memória de toda a sociedade.
Se as novelas antigas acionam lembranças que compõem a história de vida do indivíduo telespectador, elas também funcionam como “repositórios de arquivamento da memória coletiva”. Lembro aqui a cena em que a jovem Tieta (Claudia Ohana) é expulsa da cidade pelo pai, Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos). O velho chega em casa e arranca do calendário a data em close-up, 13 de dezembro de 1968, decretando seu esquecimento: “Faz de conta que esse dia nunca existiu pra mim”.
E o que se deu no Brasil em 13 de dezembro de 1968? A promulgação do AI-5.
De volta à ideia de “mercado da nostalgia”, recomendo demais o trabalho escrito por Marina de Albuquerque Reginato em 2021. A história é boa: Marina começou a estagiar no Globoplay “exatamente no mesmo mês em que foi iniciada a campanha de publicação das novelas de acervo da Globo na plataforma”, explica ela. Com acesso aos relatórios de desempenho, viu números altos de audiência e resolveu investigar.
Marina faz um apanhado histórico dos serviços de streaming no Brasil, partindo de 2011, quando nos tornamos um mercado experimental para os planos de expansão da Netflix. Ela mostra como o Globoplay, criado em 2015, tem nas novelas de acervo um trunfo perante a concorrência, dada a relação íntima entre o público brasileiro e esses produtos audiovisuais. E explica como há por parte da Globo um “projeto histórico-institucional” que visa afirmar a empresa como “parte integrante da memória do país”.
Enfim, se as relações contemporâneas entre memória, mercado e mídia te interessam, vale a leitura. Fecho este tópico com um trecho citado pela autora:
Segundo Andreas Huyssen, nas sociedades contemporâneas, formas de “âncora temporal” tornam-se cada vez mais imprescindíveis, na medida em que as nossas coordenadas territoriais e espaciais se esmaecem ou são dissolvidas pela crescente mobilidade do mundo. O apelo à memória e à história representa uma tentativa de diminuir o ritmo acelerado das informações, de resistir à dissolução do tempo, de descobrir uma forma de contemplação fora do universo da informação rápida, de afirmar um espaço em um mundo de desnorteante e ameaçadora heterogeneidade. (RIBEIRO, 1999, p. 10)
Corpos: negros, travestis, femininos
E aí, a gente chega naquela que é a campeã das abordagens acadêmicas sobre Tieta: os discursos e representações mobilizados pela novela acerca da mulher na sociedade brasileira – o que, como falam alguns estudos, impacta o olhar estrangeiro sobre nós, já que as telenovelas globais são um bem-sucedido produto de exportação.
Mas antes de discorrer sobre os corpos que conformam Tieta, é importante registrar aqueles que lá não estão: os corpos negros. Nas palavras de Salete Lisboa no jornal O Dia, em 1989, “falta uma raça em Santana do Agreste”. Sugiro ler a matéria, fonte de muitas discussões possíveis.
Fundamental registrar também como Tieta engendra toda uma produção acadêmica a respeito da presença de corpos travestis na tela da tevê. Caso você não saiba, uma das personagens da nossa novela é Ninete, braço direito de Tieta em São Paulo. Muito se fala dela na história, mas pouco se mostra. Coube a Rogéria a tarefa de interpretá-la, em uma participação especial restrita a quatro capítulos.
Os trabalhos que li veem pioneirismo na personagem, no sentido de que Ninete foge à representação audiovisual jocosa reservada a dissidentes do padrão cisgênero. E tem o contexto histórico. Frederico Augusto R. da Silva, Danieli C. Balbi e Patrícia S. de Miranda lembram em 2023 que, quando Tieta foi ao ar, eram recentes a despatologização da homossexualidade no Brasil e a adoção do termo “orientação sexual” em vez de “opção sexual”. Além disso, ainda se desconhecia no país “a origem da identidade de gênero travesti como historicamente latino-americana”.
Anos antes do trio, em 2009, Helder Maia identificou em Tieta um “discurso dúbio que varia entre intolerância e respeito à diferença”. Para o autor, a personagem “trava-madrinha” Ninete é construída de tal forma que não realiza por completo um tratamento humanístico nem o combate aos preconceitos. “São apenas discursos de tolerância interessada”, escreve.
De fato, cenas problemáticas não faltam em Tieta. Mas há sobre Ninete uma cena icônica, tão icônica que em 2022 Juliano Dumani e Cláudia Cristina Mendes Giesel dedicaram a ela um artigo. Por meio da análise crítico-discursiva de um diálogo entre Tieta e Ricardo (Cássio Gabus Mendes), o trabalho busca “compreender os discursos hegemônicos, ideológicos e as relações de poder presentes, e depois procurar intervenção contra desigualdades sociais ocasionadas por tais discursos”.
Clique aqui para assistir à cena em questão, via o perfil no Instagram da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). É de lá, da boca de Tieta, que vem o título deste texto, frase que levo para a vida: “O ser humano não foi feito por decreto”.
E o que dizer do corpo da própria Tieta enquanto símbolo de uma mulher livre, dona de si e de seu desejo? Páginas e mais páginas foram escritas a esse respeito.
Por exemplo, muito se analisou o figurino de Betty Faria como uma marca visual da dissonância da protagonista em relação à população de Santana do Agreste, bem como um indicador de sua modernidade e poder, inclusive econômico. Cores vibrantes, sempre com um babado, um decote, um animal print em tecidos colados ao corpo e muitos acessórios. Betty chegou até a lançar uma linha de roupas, Tieta by Betty Faria.
E nada mais contrastante ao esplendor da nossa heroína do que o vestuário todo preto de Perpétua – para Cezar Augusto Veras de Araujo Junior e Larissa Leda Fonseca Rocha, em 2023, uma recorrência estética das vilãs tradicionais, aproximando-a da “bruxa má que não traz consigo o belo”. Também em 2023, Marco Túlio de Urzêda Freitas enxerga a viúva moralista como símbolo de algo maior, um tipo específico de “caricatura do conservador brasileiro” que nos serve de alerta para os tempos atuais.
Agora, quem faz um belo trabalho de análise em torno da figura de Tieta é Leonardo Coelho Corrêa Rosado. Em 2017, ele empreendeu uma pesquisa de fôlego sobre a história da televisão brasileira, a telenovela enquanto gênero discursivo e as representações dos corpos femininos via o estudo de quatro protagonistas, entre elas nossa Antonieta Esteves Cantarelli.
A tese de Leonardo é a de que os corpos femininos refletem nas telenovelas as transformações socioculturais e políticas nacionais. Nesse sentido, se o Brasil de 1989 é um país em redemocratização, o corpo de Tieta “pode ser visto como um corpo liberado, visto que aparece em momento de liberação feminina e também política, mais livre também para lidar com a sexualidade”.
De outro lado, na pele branca, heterossexual, magra e jovem de Betty Faria, Tieta reforça “moldes pré-estabelecidos pelo social vigente”, assim como as outras três heroínas estudadas por ele. Parênteses. Em 2013, aos 71 anos, Betty cometeu o crime de vestir um biquíni e ir à praia. Recomendo a análise do episódio feita em 2015 por Sheila Dinnah Souza da Silva Alvarenga e Josimey Costa da Silva.
Voltando a Leonardo, o pesquisador identifica então uma relação dialética entre cultura/sociedade e mídia. Enquanto produto comercial, a telenovela se apropria dos “imaginários sociodiscursivos dominantes”, mas também “pode transgredir os valores associados a esses imaginários, uma vez que coloca as fronteiras sociais em jogo”. E isso não é pura Tieta? Hegemonia e transgressão reunidas em um só corpo?
A moral da história é a seguinte: novela é, sim, entretenimento, identificação, catarse. Mas é discurso, portanto, construção. “Desse modo”, escreve Leonardo, “as telenovelas enquanto artefato cultural não podem ser vistas como textos inocentes, já que elas transmitem uma mensagem sobre o social”. Como resume o pesquisador:
Nada em uma telenovela como esta [Tieta] é aleatório.
E que conste nos autos: Tieta é protagonista do meu coração, mas minha personagem favorita é mesmo dona Milu e seus mistérios. Descanse em paz, Miriam Pires!
a música das músicas (e o sumiço da artista que a escreveu)
“Ode to Billie Joe”, de Bobbie Gentry. Conhece? Já ouviu?
Pare tudo. Clique aqui para a versão original em estúdio, lançada em 1967. Atenção à seção de cordas, responsável por toda uma atmosfera de cinema.
Abaixo, uma apresentação ao vivo em 1971, minha versão predileta. Olha que eu já vi e ouvi inúmeras.
E você prestou atenção na letra? Porque é uma obra de arte.
“Ode to Billie Joe” nos convida a sentar à mesa durante a refeição de uma família comum no delta do Mississippi. Mais um dia na lida. Até que, de forma bastante casual, a mãe compartilha uma notícia: hoje, 03 de junho, Billie Joe MacAllister se jogou da ponte no rio Tallahatchie.
Aos poucos, prato de feijão que vai, torta de maçã que vem, a gente começa a entender que o buraco é mais embaixo. Que a filha, a narradora da história, tem alguma ligação com Billie Joe. E olha só a coincidência: antes da tragédia, o pastor viu o rapaz acompanhado de uma moça “muito parecida com ela” jogando algo da tal ponte.
Vale ler a letra na íntegra para perceber a maestria com que Bobbie Gentry costura a trama. O modo como uma história tão cheia de sutilezas é contada por meio de diálogos banais, cotidianos. Numa música que sequer tem refrão.
Consta que “Ode to Billie Joe” foi escrita por Bobbie primeiro como um conto, só depois virou canção. O manuscrito está sob a guarda da Universidade do Mississippi, ao lado de originais de William Faulkner e Tennessee Williams. Que tal?
Sem contar que com um único verso a autora criou um frenesi: que diabos a moça e o rapaz jogaram no rio antes de se dar a desgraça? Tal foi o hype em torno da questão que, em 1976, saiu um filme homônimo com o mote “What the song didn’t tell you, the movie will show you”. Resenhas sugerem que é melhor nem assistir...
Até porque, segundo Bobbie, isso não importa. Esta matéria publicada em 2013 no portal Performing Songwriter retoma uma declaração da artista:
The song is sort of a study in unconscious cruelty. […] Everybody has a different guess about what was thrown off the bridge — flowers, a ring, even a baby. Anyone who hears the song can think what they want, but the real message of the song, if there must be a message, revolves around the nonchalant way the family talks about the suicide.
(Quer uma resposta mais concreta ao enigma? Bobbie dá pistas nesta entrevista de 1967 à KRLA Beat.)
“Ode to Billie Joe” gerou uma infinidade de covers, incluindo versões jazzísticas. Uma delas, a de Lou Donaldson, foi sampleada por centenas de artistas do hip-hop, incluindo nossa musa Lauryn Hill. Este episódio sobre Bobbie no podcast Cocaine & Rhinestones, dedicado à música country, faz um apanhado das músicas derivadas, além de esmiuçar a obra da cantora. Recomendo!
(Dizem que Bob Dylan odiou a canção a ponto de escrever uma espécie de sátira, “Clothes Line Saga”.)
E não dá para eu encerrar sem te dar um contexto sobre Bobbie. Nascida em 27 de julho de 1942 – há dúvidas sobre esse ano –, Roberta Lee Streeter passou a infância com os avós paternos em Chickasaw County, no Mississippi, numa fazenda que nem luz elétrica tinha (alô, Tieta!). Aos 13 anos, chegou à Califórnia para morar com a mãe, e lá a paixão pela música ganhou contornos de profissão. A moça é estudada: frequentou o conservatório de Los Angeles, além de alguns anos no curso de Filosofia.
O plano era simples: ganhar a vida escrevendo canções para outros artistas. Uma demo foi gravada para a Capitol Records contendo “Mississippi Delta” e “Ode to Billie Joe” – ela mesma nos vocais, porque não tinha dinheiro para pagar outra pessoa. A gravadora gostou. Lançou. E por quatro semanas “Ode to Billie Joe”, sua música de estreia, tirou do topo da Billboard nada menos que “All You Need Is Love”, dos Beatles.
Bobbie vendeu milhões de discos, ganhou prêmios, comandou programas de televisão nos Estados Unidos e na Inglaterra, fez uma temporada milionária em Las Vegas. Escrevia as próprias músicas, produzia os próprios álbuns, conduzia os próprios negócios. Até o próprio figurino ela chegou a desenhar. E ainda era pintora.
Até que um dia ela cansou. A última aparição pública foi no Academy of Country Music Awards, no início dos anos 1980. Desde então, ela não lança música, não atende a imprensa, não dá as caras. Claramente a mulher não quer ser encontrada, o que eu muito compreendo e respeito.
Mas há sinais de fumaça: postagens esporádicas no site, no canal no YouTube e nas redes sociais oficiais. Faça bom proveito.
vou te dar cartaz
Recapitulando. Compartilhei em Avoada #7 minhas explorações a partir da leitura da pesquisa Cinemateca negra. E eu dizia lá: uma quinta descoberta renderá texto próprio em Avoada futura. Cá estamos.
Se eu contar que nunca tinha navegado pelo site da Cinemateca Brasileira? Enfim o fiz. E cheguei a um prato cheio para quem gosta de design gráfico: a coleção de cartazes de filmes e eventos cinematográficos.
Como sempre, trago favoritos. Escolhi com base na arte, sem entrar no mérito da qualidade audiovisual – até porque, confesso, a maioria desses filmes eu não vi. E embora minha curadoria seja nacional, a coleção da Cinemateca extrapola fronteiras.
Um aviso: os cartazes disponíveis no site da Cinemateca têm marca d’água. Para a melhor visualização, sempre que possível usei outras fontes, devidamente indicadas.









no escurinho do cinema
Barro humano (1929). Cartaz de Roberto Rodrigues – via Enciclopédia Itaú Cultural
Brasil Verdade (1964). Sem autoria – via Enciclopédia Itaú Cultural
Os fuzis (1964). Cartaz de Ziraldo – via Enciclopédia Itaú Cultural
Esta noite encarnarei no teu cadáver (1966). Cartaz de Colonnese
Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1976). Cartaz de Gilberto Marchi – via Enciclopédia Itaú Cultural
As sete vampiras (1986). Cartaz de Oscar Ramos – via Wikipedia
Matou a família e foi ao cinema (1991). Cartaz de Lielzo Azambuja e Antonio Guerreiro – via Enciclopédia Itaú Cultural
espia
Um paraíso da procrastinação chamado MessyNessyChic. Criado em 2010 como blog pela inglesa Vanessa Grall, hoje é um pequeno império com newsletter, guias de viagem e uma loja na capital francesa, onde Nessy é radicada – ela anda vendendo até água do rio Sena. O site cobre de tudo: a meca musical de Laurel Canyon nos anos 1960, a história da revista sul-africana DRUM, uma coleção de avisos “Não perturbe” (aqueles que você pendura na porta do quarto de hotel). Comece por “13 Things I Found on the Internet Today”.
Não descobri a pólvora: a série Tiny Desk Concerts é bem conhecida. Mas não custa reforçar. São apresentações musicais gravadas, em geral, na sede da rede estadunidense de rádios NPR Music. Da delicada dupla Milton Nascimento & esperanza spalding à ótima banda punk de moças japonesas Otoboke Beaver, passando pela queridinha pop do momento Chappell Roan, está todo mundo lá. Ótima fonte de novos sons! O vídeo mais assistido é o de Dua Lipa, com 131 milhões de visualizações.
Nos anos 2010, o cineasta francês Yann Arthus-Bertrand quis investigar o que é, afinal, que nos torna humanos. Rodou 60 países ouvindo as percepções e histórias de 2 mil pessoas. O resultado está no YouTube, inclusive com um canal em português. Recomendo muito a entrevista com seu José, uruguaio, dono de uma vida e tanto. Você acha que paga as contas com dinheiro? Nada disso. Deixa que seu José te explica.
Bônus! Coisa mais preciosa a dica de Cinthia F. O. Hassato: áudio de Tina Turner entoando um mantra budista. Se quiser se aprofundar, nesta bela entrevista ao Harvard Business Review, em 2021, nossa musa (falecida em 2023) fala da importância do budismo em sua vida.
E não só dona Cinthia – também ela budista – nos deu essa joia, como inaugurou em Avoada a indicação da audiência. Há algo que, na sua opinião, o mundo precisa conhecer? Conta para mim!
“aurora dominicana”, de koco toribio
2021
Há em meio ao terreno inóspito do Facebook uma página maravilhosa chamada Caribbean Art Renaissance. Trata-se de um repositório de artistas do Caribe e da América Latina, com nomes de todas as épocas, mídias e linguagens artísticas. “Nosso objetivo é destacar, educar e cultivar o amor pela diversidade de talentos dessa região”, diz a apresentação.
A página foi criada em 2019 e é atualizada com frequência. Confesso que foi difícil selecionar uma obra só. Fui com a pintura a óleo sobre tela do artista visual, ilustrador e designer gráfico dominicano Koco Toribio, mas o ideal é você ir até lá fuçar o arquivo. Se preferir, há um perfil no Instagram.
o bucho já tá cheio, mas não tá total! vá digerindo aí, logo a gente volta!
fim.