um slogan & dois avisos | 30 de julho de 2024
Um slogan:
Avoada. A gente demora, mas a gente chega.
Dois avisos:
Como esta newsletter não anda das mais pontuais (será no dia em que tivermos orçamento), comecei a explorar o recurso “Notas” do Substack, uma forma de manter a conversa rolando entre um número e outro. Eu já usava o espaço para publicar teasers das edições, mas agora compartilho materiais adicionais ao conteúdo daqui. Alguém frequenta aquelas paragens? Passa lá para dar um oi!
Chegou a meu conhecimento o fato de que alguns provedores de e-mail interrompem o texto da newsletter quando ela é muito longa (crime do qual sou culpada). De modo que só na última edição uma leitora das mais amadas percebeu que não estava lendo Avoada até o fim. Fica então o alerta: desde o primeiro número o nosso fim é na palavra fim. Avoada só acaba quando termina.
Boa leitura!
Mariana
cuidado com a monstra!
A saga de Guilherme Lorandi para manter viva e pulsante uma loja de quadrinhos na cidade de São Paulo
Tem de tudo nos 32 anos de vida do osasquense Guilherme Lorandi.
Houve a fase da luthieria na adolescência, quando aprendeu a regular e construir instrumentos musicais. Diz ele que até ganhou dinheiro com isso. Nessa época começou também a trabalhar na firma do pai, seu Carlos, dedicada à fabricação de maquinário para a indústria do plástico. Prensas para fazer alça de sacolas, equipamentos para corte e solda de saco de lixo etc. e tal.
Aí, lá pelos 20 anos, antes que as discordâncias entre pai e filho ganhassem proporções mais sérias, Guilherme achou melhor se afastar do negócio. Foi viver de bicos, vários deles nas empreitadas da mãe, dona Deise, em produção de eventos. Inclusive para um certo cliente chamado Walt Disney Company, “uma das pedras fundamentais para levantar a Monstra” – mais sobre isso num instante.
A essa altura Guilherme já era aluno da Oficina de Atores Nilton Travesso, na rua Capote Valente, em São Paulo. Ator profissional, o rapaz. Tem DRT e tudo. Fez comerciais, peças de teatro, aproximou-se da turma do Cemitério de Automóveis. E há 13 anos mantém outra incursão pelos palcos: é vocalista da Suck My Magik, banda cover do Red Hot Chili Peppers.
Além de lhe render uma profissão, a Oficina de Atores fez com que o bairro de Pinheiros entrasse de vez no seu caminho. “Minha vida toda acho que era pra eu ficar nessa região da rua Teodoro Sampaio”, profetiza. Já nos tempos da luthieria a volta para Osasco envolvia descer a rua a pé até o largo da Batata para pegar o ônibus. Com as aulas de teatro, Pinheiros virou rotina. Até que numa visita à feira de antiguidades na praça Benedito Calixto o jovem descobriu ouro: a loja de quadrinhos Gibiteria.
Ouro, porque desde sempre Guilherme tem paixão por gibis. Cresceu rodeado deles. Começou a aprender a ler com O Fantasma, um dos personagens que tatuou no corpo. “E, nossa, as melhores lembranças com meu pai são na Fest Comix”, diz, em referência ao evento organizado pela loja Comix. Chegou a fazer um HQ, resultado do curso na Casa Locomotiva. Um dos professores, Benson Chin, hoje assina toda a identidade visual da Monstra, desde o logo até os murais – “Nasceu ali esse bromance com o Benson”.
Cada vez mais afeiçoado à pessoa de seu Octávio da Costa, dono da Gibiteria junto com a filha Aninha, Guilherme passou até a cabular aula na Oficina de Atores para ir à loja. “Tinha um professor de atuação, Sérgio Milagre, que fazia a gente ler demais, às vezes dois, três livros por semana. Eu comecei a correr com essas leituras pra poder ler gibi. Então o gibi era meio que uma amante minha, né, porque a oficial era o teatro. Mas a paixão foi demais. Era gibi, gibi, gibi, gibi.”
Logo veio o convite para fazer bicos em eventos ali, atendendo clientes, cuidando do caixa. “Nessas, a Aninha me chamou pra ficar duas semanas ajudando seu Octávio porque ela ia sair da Gibiteria. Acabou se estendendo.” Era 2016. Mas as coisas foram ficando mais difíceis, a loja vendia cada vez menos, sem canal de vendas online perante uma Amazon que ganhava força no Brasil: “Seu Octávio falava: vou fechar, vou fechar, vou fechar. Foram dois anos nisso, até resolver fechar de vez”.
E aí, quando eu digo que tem de tudo no currículo do rapaz, entra aqui um elemento tão aleatório quanto crucial na jornada do herói: a participação, em 2017, no reality show A Casa, da Record TV, apresentado por Marcos Mion. “Me chamaram no Facebook pra fazer o teste. Entrei, falei, pô, agora minha vida vai mudar, né? Quando eu sair daqui tudo vai acontecer.”
Só que a vida não mudou. Nada aconteceu. “Por um mês a gente ia pras baladas, sub da sub da subcelebridade. Teve uma hora que eu falei, caralho, isso aqui não vai dar em bosta nenhuma. Aí eu comecei a perceber: eu saí em busca de um sonho nada a ver, mas, porra, meu sonho tá acontecendo aqui debaixo do meu nariz.” Decidiu-se. “Falei pro seu Octávio: eu não fiz faculdade, não fiz nada, posso continuar aqui? E fui segurando uma grana pra abrir a loja.”
Foi com um saldo de R$ 9 mil na conta que Guilherme tirou a Monstra do papel. Parte desse dinheiro veio da temporada como camareiro em shows da Disney no Rio Grande do Sul, em janeiro de 2018. E pesou muito o valor inestimável das relações afetivas. Seu Octávio negociou com a dona do prédio um desconto nos primeiros aluguéis. O pai ajudou a construir mesas e estantes. Um tio cuidou das soldas; outro, das luzes. Benson Chin deu cara à marca e o amigo Guilherme da Fonseca, da marca de camisetas As Baratas, teve o estalo do nome: Loja Monstra.
A inauguração foi em agosto de 2018. “Meu cachorro morreu no dia em que abri a loja. Minha mãe falou: você ganhou o Gohan do Papai Noel e ele te trouxe até a vida adulta.” Na festa de abertura vendeu o bastante para pagar o aluguel. “Pensei: puta merda. Vai dar certo.” E tem dado. Desde então a loja expandiu para um segundo andar, chegando a 190m2. São dois funcionários, Jade e Jason, conhecidos de quem acompanha o canal no YouTube. E há a editora Monstra, com nove títulos lançados.
Mas não é simples manter essa roda girando, como me explicou durante um café num lugar vizinho à loja – e à sua casa, porque ele, o cão Tarzan e um Opala 79 cor creme hoje moram ali na esquina. Guilherme abriu as matemáticas, compartilhou impressões sobre o mercado de quadrinhos, contou seus sonhos para a Monstra (spoiler: envolvem uma Kombi). Os principais trechos dessa conversa você lê a seguir, em versão editada para melhor leitura.
E sem dúvida um dos nomes mais citados nessa tarde foi o de seu Octávio, “uma figura familiar, paternal pra mim”. Dias depois, em 08 de julho, fomos surpreendidos com a notícia de seu falecimento. Fica aqui, então, uma celebração à sua memória. E Guilherme manda avisar: em agosto, quando a loja comemora o Ano 6, haverá um evento em homenagem ao padrinho da Monstra, junto com o anúncio do lançamento em 2025 da obra completa de um autor a quem a editora dará nova vida.
Forward always! O sonho continua.
O que ficou da Gibiteria e o que você buscou fazer diferente na Monstra?
O que eu herdei da Gibiteria foi esse lance de não ser uma coisa... sobre vendas. O gostoso da Gibiteria eram os bate-papos, os eventos, o encontro das pessoas. Ia muita gente interessante lá, pessoal da música, cinema, teatro. Essa parte de comunidade eu mantive. E também não ser só sobre a venda de super-herói e mangá, que, sejamos sinceros, é o que mantém a loja aberta. Se a gente juntar essas duas seções, dá quase ou mais que 50% das vendas de quadrinhos em geral.
Mas a Gibiteria a Aninha queria que fosse uma livraria mesmo, com todos os assuntos em quadrinhos. Isso eu mantive. Dei uma repaginada nas seções, mas mantive. Pra mim, a Monstra tinha que ser uma mistura de tudo um pouco, de independente a mangá. A gente fez inventário no começo do ano, coisa que eu nunca tinha feito na vida, e aí eu descobri que, pô, já passaram 8 mil títulos diferentes na Monstra. E com certeza foram pelo menos mais 3 mil títulos que vêm em poucas unidades, esgotam e nunca mais voltam, coisas que não entraram no sistema. Então são 11 mil obras diferentes na história da loja.
[Nota da edição. Na Monstra os livros são distribuídos em seções como “Pra cascar o bico”, “Umas parada meio artística” e “GRL PWR”.]
E no que você apostou de diferente?
Criar um ambiente, uma identidade. Desde o começo eu pensei: tem que ser tudo diferente pra mesma coisa. Porque a gente vai vender gibi, é o mesmo produto da Gibiteria. Só que você tem que ter um conceito próprio, senão as pessoas vão falar, pô, tô vindo no mesmo lugar. Eu queria que fosse meio retrô, meio sci-fi, filme de monstro lado b anos 1950, 1960.
Outra coisa também é que o meu intuito era não ter site, porque antes da pandemia a vida era mais analógica. Ainda existia um padrão de consumo em que você ia até a loja comprar roupa, ia no mercado fazer compra. Então, eu pensei: tem que ser um negócio... Eu quero que a pessoa entre aqui, caralho! Pô, a sacola. Desde o dia 1 sempre teve a sacola especial da Monstra...
Pois é, as sacolas, o mural, a máquina de pinball, as camisetas... A Monstra é todo um universo. Já foi pensado desde sempre, então?
Foi pensado desde sempre a coisa de ser um ambiente diferente. Só que o logo é muito bonito, né? Aí eu peguei o contato de um cara que faz chaveiro. Você vai me desculpar [fala em tom de deboche], mas até a Monstra ninguém nunca tinha apostado no nome, na marca, no logo, em vestir a camisa mesmo. Vendiam chaveiro do X-Men, de personagens, mas não da marca.
Lembro que quando os chaveiros chegaram, falei: agora a Monstra existe de verdade, porque eu tô pegando nela. Antes era só uma ideia, só um nome. Aí, tem que ter a camiseta também. Adesivo. Ecobag. Ah, então vamos fazer boné. Aí veio a cerveja da Monstra. E aí, é uma loja de quadrinhos, tem esse monte de produto e não tem gibi? Pô, tem que ter. Então fizemos a editora. Agora o céu é o limite. Começamos o estúdio de tatuagem, sessão de cinema, lançamos a boneca Godzilda, os pins.
Virão outros produtos?
Desde o começo, quando veio a primeira camiseta, o meu intuito era fazer uma linha de roupas. Shortinho, moletom etc. As camisetas a gente faz em parceria com o Guilherme, d’As Baratas, ele domina essa parte. Mas quem sabe pro verão de 2025 a gente não lança um conjuntinho praiano da Monstra?
E já tem novos títulos previstos pra editora. Em 2024 sai Know-Haole, do Diego Gerlach. A gente tinha começado as conversas pra edição do livro, mas aconteceu a tragédia [das enchentes] no Sul e o Gerlach é de lá, então foi posta uma pausa aí. E em 2025, provavelmente, vem o segundo Batman do Josh Simmons.
O mercado de quadrinhos mudou muito desde que você chegou na Gibiteria?
Tem seus altos e baixos. Eu acho que neste ano a gente tá vivendo uma baixa, pelo menos na Monstra tem sido assim. Desde o último trimestre do ano passado começou a cair muito o movimento. Muito. Tanto no físico quanto no site.
O que acontece também é que o Ano 5 foi o cume da Monstra. Teve a abertura do segundo andar, a gente publicou quatro livros de uma vez na editora, eu trouxe um monte de autor de fora do Brasil pro aniversário da loja, paguei hotel, comida, tive um gasto gigante. Aí eu descobri as lives de venda no Instagram, só que eu peguei muita coisa pra fazer e o tiro saiu muito pela culatra pra mim. Eu fui nessa de que dá pra fazer tudo, dá pra fazer tudo, e acabei trupicando.
Mas agora eu aprendi com os erros, e também muita coisa excelente saiu disso. Quando eu trouxe o John Higgins, por exemplo, a Pipoca & Nanquim conversou com o cara no evento e agora tá lançando um livro dele. E vão fazer um bookplate pra todas as lojas de quadrinhos, então, no final das contas, um ano depois foi uma ajudinha pra todo mundo. Isso eu acho muito bacana. Tem esse intuito comunitário da Monstra que, pra mim, é o grande mote.
E você tem visto a venda de quadrinhos melhorar?
Lá atrás, quando a Monstra começou, ainda tinha gibi mensal de R$ 7. Era um momento econômico diferente e os gibis não eram tão caros. Eu lembro quando saiu A Liga Extraordinária a R$ 240, nossa, “o gibi mais caro do Brasil”. E aí a coisa foi tomando outro escopo, as editoras vieram com essa coisa de fazer livro de luxo, cada vez mais os preços foram subindo.
Então, com certeza em termos de oferta e de qualidade da produção é o melhor momento dos quadrinhos. Tenho clientes de 60, 70 anos que falam: pô, existe acesso a coisas que você nunca conseguia lá atrás. Mas hoje a venda é muito mediante desconto. Existe a venda ocasional, pessoas que estão passeando por aqui e compram um livro na Monstra. Mas o grosso da venda, do que eu vivo mesmo, passa por um desconto agressivo.
Ainda assim vale a pena?
Vale a pena no volume. No tête-à-tête, nem ferrando. Porque às vezes tem produto que eu pego com 45% de desconto em consignação com a editora, e aí dou 40% de desconto em cima disso. Quer dizer que eu vou ficar com 5% do valor de capa. Só que desses 5% eu preciso tirar a embalagem dos correios, o envio, porque se eu não der frete grátis a pessoa não compra, então...
Quem é o público da Monstra?
Em sua grande maioria, homens. Achei que tinha mais mulheres, mas esses dias fiz a conta real e o percentual de mulheres está bem baixo. Antes eu pensava que era 30% do público, hoje é tipo 15%, 20%. Baixou. E é uma coisa muito de colecionador. Leitores casuais são bem raros. É mais o colecionador que vem, já sabe o que quer, já fez a pesquisa na Amazon e em tudo quanto é canto, acompanha o que tá saindo de novidade.
E o que uma loja física como a Monstra oferece que as grandes plataformas de marketplace não têm?
A gente vive disso mesmo, né. Nós somos pessoas reais ali que têm uma coisa da paixão. Não dá pra você enxergar isso somente como um negócio. Porque não é um bom negócio. Se fosse um bom negócio, seria igual temakeria 15 anos atrás, teria loja de gibi em tudo quanto é esquina. E se você vai matando essa paixão, tem uma hora que então vira um robô.
Daquelas 11 mil obras diferentes na história da Monstra, tem algumas do Lourenço Mutarelli. Pô, eu sei que cada página, cada palavra que esse cara escreve é um pedaço da alma que ele vai deixando. E eu entendo isso. Mas no mundo real a obra dele é só uma linha da planilha de um livro novo de uma editora num varejo grande que vai jogar esse produto numa curva A e, se não performar, vai pra curva B e C. Ele vira só um número.
A gente tem uma curadoria de verdade, porra, a gente tem história, tem um laço com as pessoas. Precisa manter essa realidade, porque é nela que a gente consegue fazer essas loucuras bestas tipo as que eu tenho feito, trazer esses gringos em eventos gratuitos na Monstra. E isso eu tô revendo também, porque se as pessoas trazem o livro de casa pro cara autografar, se não compram nem uma água na loja, eu não consigo manter essas coisas que só acontecem aqui. Você não pode ter isso numa plataforma, só vai ter no físico. Que é a comunhão das pessoas.
Como é a distribuição de vendas entre a loja física e o site da Monstra?
Olha, quando o site começou, ele era 20% das vendas, aí foi subindo pra 30%, 40%, 50%, eu acho que tava em 60%. Mas ele ficou três meses fora do ar, lançamos o site novo dia 21 de junho e ainda estamos em ajustes. Só que, nessa volta, em uma semana eu fiz pelo site quase a mesma venda do que no mês inteiro de junho na loja. Muito cliente de São Paulo, e a maioria avassaladora compra pra entregar em casa.
Agora, imagina ficar três meses sem site? Mas de tudo você tira uma lição, né. Nesse período publicamos menos no Instagram, a gente tava mais focado no físico. E uma coisa que eu percebi é que parece que a gente deixou de existir, sabe? Se você não tá na Internet postando toda hora, fazendo ali o reality show acontecer, você simplesmente morreu. Tem uma parada muito estranha.
A sorte é que a gente tem clientes fiéis que gostam da Monstra. O site voltou e as pessoas voltaram a comprar tudo com a gente. Coisas que eu via que elas deixaram de comprar em outro lugar. Comunidade mesmo, né.
Qual é o seu sonho pra Monstra?
Ixi. Tem alguns. Um é o reality show da Monstra. Tipo uma sitcom, meio Seinfeld, meio The Office. Porque tem uma história rolando por trás. A história da Monstra, os personagens da Monstra. É igual um Seinfeld da vida. Quando você assiste no todo, conta uma história, tem um desenvolvimento dos personagens e tal.
O que eu fico pensando é: se tivesse uma série da Monstra num canal de distribuição de massa e fosse um sucesso – porque vai ser um sucesso, tem que ser um sucesso –, isso é bom pro mercado no geral. Parece que é pela brincadeira, pela Monstra, e é lógico que a gente quer ganhar dinheiro, mas no fim das contas isso desemboca na criação de uma Monstra por estado.
E esse é um dos sonhos também. Uma vez um cliente me falou: cara, eu perguntei pro diretor de uma editora na feira do livro da USP qual era a tiragem dele, ele falou que era cerca de 3 mil exemplares. E mesmo assim o cara tava ali vendendo a 50% de desconto. Pensa nisso, cara. São quase 30 estados no Brasil. Isso quer dizer que a gente não consegue vender 100 livros por estado.
Isso me bateu muito. Aí, pensei: a gente podia fazer um documentário de uma Kombi Monstra que vai rodar o Brasil. A gente imprime um quadrinho sobre, sei lá, a importância da leitura, da arte na vida da pessoa, mas não de uma maneira pedante. E o propósito é vender 100 exemplares em cada estado, só que não na capital. Começa com essa fachada da zoeira, de pegar estrada, mas na verdade vai mostrar o que é o Brasil de verdade. É você chegar onde, porra, uma pessoa não tem R$ 50 pra pagar num livro. Entra nesse estágio de mostrar a precariedade social em que a gente vive.
Para fechar, quadrinho é para todo mundo?
Quadrinho é pra todo mundo. Quem fala que não ainda não leu um quadrinho que gostou ou às vezes não deu uma chance. Só falta o livro certo pra você começar a ler.




gibis & doidera | gui lorandi indica
Até R$ 20: Basquetito All-Stars, de Victor Bello
Até R$ 60: Risca faca, de André Kitagawa
Até R$ 80: Não é a Israel que meus pais prometeram, de Harvey Pekar e JT Waldman
Até R$ 100: A louca do sagrado coração, de Alejandro Jodorowsky e Moebius
Até R$ 150: O filme perdido, de Cesar Gananian e Chico França
Vai lá: Praça Benedito Calixto, 158, 1º andar – Pinheiros – São Paulo, SP
quando em roma...
Faça como os romanos. Frequentadora que sou da região em torno da Loja Monstra, compartilho três joias locais que só os iniciados conhecem – além da feira de antiguidades na praça Benedito Calixto, sempre um ótimo programa para o sábado!
Sebo Casa do Livro. Meu xodó na pauliceia. Criado pelo casal Paula & Beto em 2001, desde 2003 o sebo ocupa uma casa na rua Teodoro Sampaio, 669. Livros, CDs, DVDs, vinis, revistas. E preço bom. Dia desses comprei Sucupira: ame-a ou deixe-a, de Dias Gomes (Civilização Brasileira, 1982), Vito Grandam, de Ziraldo (Melhoramentos, 1995), e A lista de Ailce, de Herbert de Souza, o Betinho (Companhia das Letras, 1996). Valor total: R$ 33. Também dá para comprar via Estante Virtual.
Feher Padaria. Muita gente desavisada passa reto por essa portinha na rua Capote Valente, 397, sem perceber que lá dentro há um mundo de bagels, croissants, pães de fermentação natural, bolos, cookies (o de chocolate & nozes, ai ai!). Aberta em 2019, a casa tem assento para apenas sete clientes, então não é daquelas padarias em que você chega de galera num domingo de manhã – até porque não abre aos domingos. Mas é um belo lugar para você se abastecer das boas coisas da vida. Pelo WhatsApp você acessa catálogo & preços. Beijo para Karina, Ingryd, Bruno & equipe!
Caverna Bugre. Desde os anos 1950 na rua Teodoro Sampaio, 334, é um restaurante familiar cuja gestão passa de geração em geração, os garçons estão lá há décadas e a clientela se mantém fiel. O carro-chefe é o filé alpino, filé mignon coberto com copa, catupiry e provolone, gratinado em molho inglês. Não sou capaz de opinar. Meu prato lá é o peixe à milanesa com batata portuguesa. Talvez não seja ideal para vegetarianos e veganos. Não é dos mais baratos (nem dos mais caros). Tampouco é chique. Mas tem o clima afetivo das verdadeiras instituições de bairro, uma espécie em extinção.
E Guilherme Lorandi dá seus pitacos: o Bar do Biu, famoso por pratos como o baião de dois (mas o dono da Monstra diz usufruir mesmo é da coxinha no café da manhã), e o Bar do Jeová, para confraternizar com as amizades.
Coordenadas:
Para chegar à região de metrô, desça na estação Clínicas (linha verde) ou Oscar Freire (linha amarela). De ônibus, as ruas Teodoro Sampaio, Cardeal Arcoverde e avenida Rebouças são boas referências.
Verifique os canais oficiais & as redes sociais dos estabelecimentos citados para horário de funcionamento e demais informações.
Para que não haja dúvida: nada disso é publicidade. Recomendação espontânea!
todo o poder emana do povo
A frase está no Artigo 1º da nossa Constituição Federal de 1988, mas é também o espírito do People’s Graphic Design Archive (PGDA).
“Um arquivo virtual construído por todas as pessoas, sobre todas as pessoas, para todas as pessoas.” A ideia do PGDA é ser um acervo feito coletivamente, visando a uma história mais inclusiva do design gráfico.
O resultado: 150 páginas de material. De flyers, pins e zines independentes a anúncios publicitários, embalagens e logos de empresas. Do registro de processos criativos a artigos escritos por pessoas da área. O escopo é amplo, em atualização constante – e o PGDA te ensina a aguçar a percepção em busca de design no seu entorno.
Você pode fazer buscas por critérios diversos, navegar pelas coleções e também, claro, dar sua contribuição. E ainda que a iniciativa seja estadunidense, há material do mundo todo, inclusive do Brasil.
Às vezes o acervo é um pouco bagunçado? É. Itens repetidos, falta de informações, inconsistências. Mas o saldo é muito mais positivo do que negativo. Vale a visita!
E uma última menção honrosa: a coleção de arquivos. Sim, o PGDA tem um arquivo de arquivos. Pérolas como:
Grafis Nusantara, dedicado a rótulos e adesivos vintage da Indonésia;
Logobook, especializado em logos, símbolos e marcas registradas; e
Web Design Museum, que reúne sites pioneiros da Internet, no ar de 1991 a 1995.
Além do Center for the Study of Political Graphics, velho amigo de quem lê Avoada.
A Internet pode ser maravilhosa, não?









nos olhos de quem vê
Weisser, Wilfred. Country Joe and the Fish, The Incredible String Band, Albert Collins at the Fillmore (1968, Estados Unidos)
nas entrelinhas da cinemateca negra
Não costumo trazer para cá meus trabalhos publicados pelo mundo afora para não extrapolar na autorreferência, mas a matéria em questão me rendeu tantas boas descobertas que a exceção se justifica.
No último 28 de junho foi lançada a Cinemateca negra, que mapeia todos os filmes dirigidos por pessoas negras no Brasil desde 1949. Trata-se de uma realização do Instituto NICHO 54, com idealização e coordenação do curador Heitor Augusto (por um acaso meu amigo desde tempos imemoriais).
Contei as conclusões da pesquisa em uma matéria no “EU&”, caderno de fim de semana do jornal Valor Econômico com o qual contribuo. E que baita oportunidade foi ler a publicação! Mergulhei nas referências citadas e agora venho por meio desta compartilhar predileções:
Alexandrina Sem Sobrenome
A Cinemateca negra traz, além de números e gráficos, artigos de pessoas convidadas. Uma delas é Daniela Giovana Siqueira, com o texto “Resistir, produzir e preservar: notas sobre o desafio de fazer com que imagens e sons negros permaneçam no tempo”.
A autora menciona no artigo uma figura interessantíssima sobre a qual eu nunca tinha ouvido falar: Alexandrina Sem Sobrenome, a “aprendiz de naturalista”.
Como explica Patrícia Sampaio, professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em coluna na agência de jornalismo Amazônia Real, Alexandrina foi recrutada em Tefé, nos anos 1860, para assumir tarefas domésticas do casal de naturalistas estrangeiros Louis e Elizabeth Agassiz em sua expedição pela Amazônia.
Conhecedora das matas e hábil na identificação de espécies botânicas, Alexandrina acompanhava Elizabeth nas coletas herboristas. Também logo aprendeu a limpar e preparar os esqueletos de peixes, “tornando-se indispensável ao trabalho do improvisado laboratório da expedição”. Embora fundamental à produção desse conhecimento científico, pouco se sabe sobre ela. Não há nem registro de sobrenome.
Na Cinemateca negra, Daniela cita o curta-metragem Alexandrina – um relâmpago, lançado em 2022 por Keila Sankofa (teaser aqui). Um texto biográfico fictício a partir da pesquisa da professora Patrícia Sampaio integra o projeto artístico Direito à Memória – Outras Narrativas, que conta com Keila na equipe.
Como ensina Patrícia na Amazônia Real:
Na escrita contemporânea da História da Ciência, há um reconhecimento progressivo do lugar destes personagens “ajudantes de cientistas”, inclusive considerando-os como figuras decisivas na construção dos saberes sobre o Brasil.
A plantação cognitiva de Jota Mombaça
Outro artigo que compõe Cinemateca negra é “Vestígios da consolidação dos Estudos de Cinema(s) Negro(s) Brasileiro(s) como campo”, de Mariana Queen Nwabasili. Em dado momento, a jornalista e pesquisadora reproduz um trecho do ensaio “A plantação cognitiva”, de Jota Mombaça, artista interdisciplinar.
Daquele parágrafo eu fui atrás do conteúdo completo, escrito por Jota em 2020 no âmbito do projeto “Arte e descolonização”, uma parceria entre o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e o centro de pesquisa inglês Afterall. Recomendo a leitura – clique aqui. Aviso aos navegantes: é denso. O tipo de texto que você lê, relê, pensa, volta, pensa um pouco mais.
“Meus ancestrais todos foram vendidos/Deve ser por isso que meu som vende.” Deve ser por isso que este texto vende. Ou que, do ponto de vista de certas instituições, a explosão de arte e pensamento negros e anticoloniais, que parecem definir hoje os rumos dos sistemas de arte e produção de conhecimento em escala global, seja referida como uma moda, uma tendência de mercado.
“Xica da Silva, em princípio, é um equívoco total”: Beatriz Nascimento diz o que pensa sobre o filme de Cacá Diegues
No mesmo artigo da Cinemateca negra, Mariana Queen Nwabasili retoma a crítica contundente que a historiadora Beatriz Nascimento escreveu no jornal Opinião, em outubro de 1976, a respeito do filme Xica da Silva, dirigido por Cacá Diegues.
E não é que está disponível no site da Biblioteca Nacional? Clique aqui para ler o texto na íntegra, intitulado “A senzala vista da casa grande”. Dona Beatriz não mede as palavras, não.
Sob a justificativa de fazer uma obra para divertir e abranger um maior número de pessoas para redimir do emperramento criativo em que naufragou o chamado cinema novo, o sr. Diegues cai no oposto, esquecendo que criação requer crítica, crítica sua sr. Carlos Diegues.
Itaú Cultural Play
E se você não assistiu a tantos dos filmes explorados nos artigos da Cinemateca negra, como A rainha diaba, de Antônio Carlos da Fontoura (1974)? Amor maldito, de Adélia Sampaio (1984)? A negação do Brasil, de Joel Zito Araújo (2000)?
Não tema: eu lhe ofereço um caminho. Gratuito, ainda por cima. A Itaú Cultural Play (IC Play), plataforma de streaming dedicada ao audiovisual brasileiro, uma iniciativa do Itaú Cultural.
São centenas de produções, de lançamentos a clássicos, passando pelo catálogo de mostras e festivais. Algumas das obras contam com recursos de acessibilidade, como Libras e audiodescrição. E o cadastro é realmente simples.
Descobri a IC Play ao ir em busca de Alma no olho, curta-metragem feito por Zózimo Bulbul em 1973, discutido em “Historiografias para o cinema negro brasileiro, ou o passado não deveria ser um inimigo”, que Lorenna Rocha e Gabriel Araújo escreveram para Cinemateca negra. Desde então tenho feito bom proveito do acervo.
De novo, isto não é um anúncio publicitário. Mas bem que poderia ser, hein, Itaú Cultural?
Uma quinta descoberta baseada em Cinemateca negra renderá texto próprio em Avoada futura. E vale dizer: a partir de agosto a pesquisa estará disponível para consulta em espaços públicos de São Paulo, como a Biblioteca Mário de Andrade (relação completa aqui). Há a intenção de expandir essa difusão. Siga o Instituto NICHO 54 para acompanhar o desenrolar do projeto.
espia
Falando em grandes & louváveis empreendimentos de pesquisa, passou meio batido na matéria sobre o projeto Goma-Laca, em Avoada #6, o site Discos do Brasil. Criado pela jornalista Maria Luiza Kfouri para catalogar sua discoteca pessoal de música brasileira, o portal conta com informações completas sobre mais de 7 mil álbuns. A consulta pode ser feita por disco, intérprete, arranjador, músico, instrumento, canção, compositor, participação especial e parceria. Ufa! À Maria Luiza, falecida em 2023, todos os nossos respeitos.
Ainda no campo da nossa música popular, é ótima esta matéria que Lianne Ceará e Maria Júlia Vieira escreveram no início do ano para a revista piauí a respeito do resgate vivido pelo cantor pernambucano Reginaldo Rossi nas ruas, na academia, na música pop e até no plenário. “Não há nada brega em ser brega”, ensina o título. Garçom, aqui nessa mesa de bar...
Direto do túnel do tempo: jovens, eu lhes digo, em 1996 a banda inglesa Jamiroquai estreou um videoclipe da música “Virtual Insanity” que não só entrou para a história, como marcou a adolescência de muitos de nós. Assista aqui (atenção à letra, bastante atual). Pois dia desses, não sei como, cheguei à descoberta de que em 2022 foi produzida uma espécie de making of oficial – e é muito legal! Clique aqui e descubra o segredo analógico do chão que se move.
“mitchossó”, de monique pak
2023
Nascida em Brasília, em 1992, mas radicada em São Paulo desde 2018, Monique Pak é uma artista visual de descendência coreana e alemã. São pinturas em aquarela, tinta acrílica, técnica mista (caso da obra acima), além de colaborações com marcas e produtos autorais.
E desde 2011 Monique também tatua. Depois de passar por estúdios como o PMA Tattoos – foi lá que conheci o trabalho dela –, agora a artista mantém um espaço próprio na capital paulista, o Estúdio Kumiho.
Por aqui você visita o site oficial. Por aqui, o perfil de Monique no Instagram. E os processos criativos no TikTok? Lindos!
this is a really beautiful feeling! ou da arte de fazer o que se ama.
fim.
aprendo a escrever lendo você!